domingo, 18 de agosto de 2019

O amanhã

Eu ainda quero ver o amanhã. Quero acordar e viver um novo dia. Ver velhas e novas pessoas. Repetir ações e criar novas. Quero viver, viver e viver.

Sexta-feira era o dia em que havia combinado com meu endocrino de rever a quantidade de insulina em decorrência da nova vida que estou engajada com dieta com poucos carboidratos e atividade física diária. De acordo com o que falamos, eu deveria diminuir duas unidades de Lantus se tivesse com hipoglicemias noturnas. 

Naquela madrugada, pelo registro do aparelho, eu fiz hipoglicemia boa parte da  madrugada. Diminuí conforme orientação, tomei o café de costume, fui pra escola. Ao chegar, medi a glicose: 101. Entrei no nono ano e comecei a orientar sobre as provas. Não consegui terminar, pois me senti mal. Medi: 55. Em vinte minutos minha glicose nunca teve essa queda. Pedi pra Dani pegar meu mel na sala dos professores e comecei a comer.

Eu tô tão determinada a melhorar o controle que nunca mais usei chocolate nas hipos, só mel. Duas, três colheres e nada de subir. 55, 50, 48, 45, 42, LO. 

Não sabia o que fazer. Pedi silêncio aos alunos e eles pararam. Subiu pra 60, o que ainda é baixo, mas foi suficiente para seguir a aula/prova.

No recreio, a glicemia estava 70. Comi a fruta do lanche e segui pra sala. Não subiu mais, mas ainda assim comi mais mel. Nada...

Bateu e me dirigi a outra escola. Parei antes da esquina, tranquei o trânsito. Havia um homem me xingando. Comecei a chorar, porque percebi (só neste momento) que tinha algo muito ruim acontecendo.

Cheguei na escola, falei com o vice diretor que não estava bem, que ele precisava ficar de sobreaviso. Quando me virei, faltou perna. Quase caí. Sentei e ele veio me ajudar. Pedi açúcar. Ele me trouxe. A Cláudia chegou com um copo de refri. Açúcar, refri, nada adiantava. Subiu pra 70 e fui almoçar com meu filho.
Coloquei um pouco mais de comida no prato pra ver se a glicemia segurava. Não adiantou. Terminei o almoço e ela voltou a cair. Chamei a Gabi e pedi que ela levasse o Fer.

Morri de medo de morrer.

Bruna, me pega aqui, amiga. Eu não to bem. Preciso ir ao hospital. Gabes, se eu não voltar, pega o Fer na Gabi mais tarde. Mãe, já te dou notícias.

Andrea, eu não posso morrer. Quem vai cuidar do meu filho, Andrea?! Eu não quero morrer, mas eu não sinto mais meu corpo, eu to fraca. Eu tenho tanta coisa pra fazer. Não é justo logo agora que tô me cuidando tanto. Não me deixa morrer, Andrea.

E foi assim até a Bruna chegar, a glicose subir e eu chegar na minha médica. Até ela me informar a sobrecarga de insulina que meu corpo estava e eu entender o que se passava eu estava com medo de morrer. Em decorrência de fazer tudo certinho, eu teria que diminuir mais que duas unidades; no fim ela e o endocrino baixaram 5u. Basicamente tive uma overdose de insulina.

Eu ainda quero ver o amanhã. Quero viver mais sessenta anos. Quero estar bem e ver meu filho crescer e se desenvolver. Quero amar e ser amada. Quero estar entre os meus e estar por eles também. Quero formar meus alunos e vê-los pelo mundo.

Que nada me impeça, que nada me limite. Quero tudo isso e mais, muito mais.


Obrigada a todos que me ajudaram na sexta e ao longo desses dias posteriores. Obrigada, sempre muito obrigada.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

O mundo enquanto dirijo meu carro


A maioria dos meus amigos quando fez dezoito anos tirou carteira de motorista. Eu não. Eu fazia muita festa e tinha medo de matar alguém ou morrer ao dirigir alcoolizada, porque certamente eu acabaria fazendo isso. O meu padrasto queria que eu tirasse, dizia que iria comigo assinar como avalista pra eu comprar meu carro. Eu fugia muito, não queria mesmo.

Com o nascimento do Fernando e o retorno ao Rio Grande do Sul, eu sabia que morando na região metropolitana de Porto Alegre eu precisaria aprender a dirigir. E eu tinha exatamente dois meses para ficar em Torres, aprender a dirigir na autoescola e fazer as provas. As pessoas me avisavam que tudo bem se eu não conseguisse na primeira vez, era comum, que todo mundo roda. Mas eu não tinha tempo, eu precisava aprender e passar na prova naqueles dois meses. E assim eu consegui a minha CNH aos 28 anos.

No dia que passei na prova, fui colocar o carro um pouco mais pra frente na garagem e arranquei o retrovisor. Colei com poxipol, o que obviamente não durou muito tempo. Depois, quando eu menos esperava, aquela "orelha" surgia caída. 

Na primeira vez que fui estacionar em Viamão, na primeira casa em que morei, eu cheguei bem perto do muro e girei o volante. A lateral do carro raspou de fora a fora no muro. A gente aprende algumas coisas na autoescola, mas a realidade é muito diferente.

Eu andava toda errada por Viamão a 30 km por hora. A galera da Santa Isabel buzinava muito nos meus ouvidos. Até que um dia a minha avó Therezinha foi hospitalizada na Santa Casa, bem no centro de Porto Alegre. Ela não estava bem, era visível. No íntimo eu sabia que estava ao fim da vida. E eu queria ficar com ela o maior tempo que eu pudesse. Só que eu estava fazendo estágio e o Fernando já estava na escola. E o horário da UTI que eu conseguia estar era das 13h30 às 14h, o pior horário e local para uma recém habilitada circular. Mas era encarar o trânsito porto-alegrense ou não ver a vó. E isso eu não faria e não fiz. Eu consegui encaixar na minha rotina ir um dia sim e outro não. E essa foi a última coisa que a minha avó me ensinou: a dirigir em Porto Alegre. Eu já voltei com o carro toda a lomba da Tomaz Flores, porque não conseguia engatar a primeira na subida - mais de três vezes. Na época eu não tinha GPS no celular, então eu imprimia os mapas pelo Google e ia pelo papel mesmo. Assim, eu só sabia este único caminho. Fiz isso por quatro meses. Ao final da jornada da vó, eu já não estava mais insegura e quando cheguei em Santa Maria para a despedida, o vô até me confiou dirigir o carro dele. 

Depois tive a fase de aprender a dirigir na estrada, que não foi fácil também. Ultrapassar caminhão era um desafio gigante. A viagem mais longa foi de umas cinco horas dirigindo sozinha, com o Fernando e o Soldado, nosso cachorro, no banco de trás. Fiquei tão nervosa que travou meu ciático e fiquei sem andar direito por uns dois meses. 

E depois veio a luta pela compra do meu próprio carro, pelas minhas próprias pernas, sem receber dinheiro de ninguém, sem pedir emprestado pra ninguém, só com minha incansável força de vontade e apoio emocional dos amigos. Foram três meses usando o carro da mãe até conseguir que um banco finalmente acreditasse que eu pagaria. Agora escrevendo aqui eu até rio, mas não foi fácil. 

Minha vida hoje não funcionaria sem carro. Tenho a agenda organizada com tanta coisa pra fazer e não tenho mais possibilidade de ficar esperando por transporte público. E fora a necessidade, eu adoro dirigir.

Se tem coisa que eu gosto é levantar umas quatro ou cinco horas e encontrar o sol nascendo na estrada. Até consigo fazer isso sozinha, mas prefiro sempre uma companhia pra me distrair. Senão o sono pega mesmo. Acompanhada por alguém que não durma (porque alguém que dorme sempre tenho: Fernando), com um sonzinho rolando, curto demais. 

Gosto de ver a paisagem se modificando e as pessoas que ficam pela estrada. Sempre me causa curiosidade os transeuntes nas estradas. Como chegaram, onde vivem, pra onde vão? Gosto de parar para ver as barraquinhas que vendem flores ou lugares temáticos, típicos da região. Tenho vontade muitas vezes de sair por aí, pegar a estrada e apenas ir sem rumo. 

Ainda quero ver muita estrada. Muita. Não posso perder o que demorei tanto para ter, mesmo que não soubesse que queria.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Novas rotinas e diabetes


Hoje foi um dia especial, marcado por três meses desde que eu soube da retinopatia. Fui ao Endocrinologista com resultado de exames da última semana e cheguei um pouco frustrada comigo mesma. 

A minha rotina não favorece muitas coisas e fazer um caderno de anotações - com todas as medições de glicose, doses de dois tipos de insulina, quantidade de carboidratos por refeição, horário da atividade física, entre outros - literalmente não cabe. Eu tentei, depois acumulei um dia, dois; quando vi foram semanas. Dessa vez resolvi não procurar desculpas, como anteriormente. Passei a limpo os destros desta semana apenas e cheguei com uma folhinha na sala. Falei a verdade: sou incapaz de manter este caderno. Não bastasse isso, minha glicada (exame que mostra o desempenho trimestral da glicose  no sangue) ficou acima do que eu havia me colocado como meta. 

Em primeiro lugar, vamos conversar, Mariáh. Deixa eu te entender.

E então aquele homem me escutou. Falei da rotina, dos percalços, da correria, mas também dos cuidados, da mudança estratégica de vida que tive, de como a atividade física me faz bem, de como fico feliz em me sentir empoderada pela diabetes novamente.

Falamos sobre a nova insulina que comecei a usar há cinco dias e ele fez um pequeno manual de possibilidades que podem vir a acontecer comigo e como deverei agir em cada uma delas. Ele falou dos aplicativos existentes hoje que podem me ajudar na substituição do caderno e contagem de carboidratos. Tal qual meu primeiro médico, me deu materiais educativos como se fosse meu primeiro dia de DM1 e me pediu que relesse como se fosse mesmo a primeira vez. Pediu-me calma e que seguisse o que combinamos. Um dia de cada vez. 

Diferente de outras vezes, agora com alguns nomes e sabendo o que buscar, encontrei os apps que são bem próximos das minhas necessidades, um de contagem de carboidratos e outro que registra todo o meu dia - refeições, doses, exercícios, destros - e depois posso imprimir as planilhas, gráficos, etc.

Eu não sei mais o que é não ser diabética. Nem lembro como é sentir sede sem ser porque a glicose está alta. A primeira coisa que faço depois que acordo é medir a glicose e também é essa uma das últimas antes de deitar. É como se eu precisasse saber o tempo todo se eu estou respirando. 

Ainda estou aqui lutando e seguirei sempre. Jamais vou me neglicenciar novamente, apesar de ser extremamente cansativo. O descaso comigo mesma tem um preço que eu não cogito pagar.

Nem sempre é um texto motivacional. Às vezes, como hoje, é só um desabafo e necessidade de um abraço.



O amanhã

Ao som de Samba de Bênção - Maria Bethânia Eu ainda quero ver o amanhã. Quero acordar e viver um novo dia. Ver velhas e novas pess...