terça-feira, 13 de agosto de 2019

O mundo enquanto dirijo meu carro


A maioria dos meus amigos quando fez dezoito anos tirou carteira de motorista. Eu não. Eu fazia muita festa e tinha medo de matar alguém ou morrer ao dirigir alcoolizada, porque certamente eu acabaria fazendo isso. O meu padrasto queria que eu tirasse, dizia que iria comigo assinar como avalista pra eu comprar meu carro. Eu fugia muito, não queria mesmo.

Com o nascimento do Fernando e o retorno ao Rio Grande do Sul, eu sabia que morando na região metropolitana de Porto Alegre eu precisaria aprender a dirigir. E eu tinha exatamente dois meses para ficar em Torres, aprender a dirigir na autoescola e fazer as provas. As pessoas me avisavam que tudo bem se eu não conseguisse na primeira vez, era comum, que todo mundo roda. Mas eu não tinha tempo, eu precisava aprender e passar na prova naqueles dois meses. E assim eu consegui a minha CNH aos 28 anos.

No dia que passei na prova, fui colocar o carro um pouco mais pra frente na garagem e arranquei o retrovisor. Colei com poxipol, o que obviamente não durou muito tempo. Depois, quando eu menos esperava, aquela "orelha" surgia caída. 

Na primeira vez que fui estacionar em Viamão, na primeira casa em que morei, eu cheguei bem perto do muro e girei o volante. A lateral do carro raspou de fora a fora no muro. A gente aprende algumas coisas na autoescola, mas a realidade é muito diferente.

Eu andava toda errada por Viamão a 30 km por hora. A galera da Santa Isabel buzinava muito nos meus ouvidos. Até que um dia a minha avó Therezinha foi hospitalizada na Santa Casa, bem no centro de Porto Alegre. Ela não estava bem, era visível. No íntimo eu sabia que estava ao fim da vida. E eu queria ficar com ela o maior tempo que eu pudesse. Só que eu estava fazendo estágio e o Fernando já estava na escola. E o horário da UTI que eu conseguia estar era das 13h30 às 14h, o pior horário e local para uma recém habilitada circular. Mas era encarar o trânsito porto-alegrense ou não ver a vó. E isso eu não faria e não fiz. Eu consegui encaixar na minha rotina ir um dia sim e outro não. E essa foi a última coisa que a minha avó me ensinou: a dirigir em Porto Alegre. Eu já voltei com o carro toda a lomba da Tomaz Flores, porque não conseguia engatar a primeira na subida - mais de três vezes. Na época eu não tinha GPS no celular, então eu imprimia os mapas pelo Google e ia pelo papel mesmo. Assim, eu só sabia este único caminho. Fiz isso por quatro meses. Ao final da jornada da vó, eu já não estava mais insegura e quando cheguei em Santa Maria para a despedida, o vô até me confiou dirigir o carro dele. 

Depois tive a fase de aprender a dirigir na estrada, que não foi fácil também. Ultrapassar caminhão era um desafio gigante. A viagem mais longa foi de umas cinco horas dirigindo sozinha, com o Fernando e o Soldado, nosso cachorro, no banco de trás. Fiquei tão nervosa que travou meu ciático e fiquei sem andar direito por uns dois meses. 

E depois veio a luta pela compra do meu próprio carro, pelas minhas próprias pernas, sem receber dinheiro de ninguém, sem pedir emprestado pra ninguém, só com minha incansável força de vontade e apoio emocional dos amigos. Foram três meses usando o carro da mãe até conseguir que um banco finalmente acreditasse que eu pagaria. Agora escrevendo aqui eu até rio, mas não foi fácil. 

Minha vida hoje não funcionaria sem carro. Tenho a agenda organizada com tanta coisa pra fazer e não tenho mais possibilidade de ficar esperando por transporte público. E fora a necessidade, eu adoro dirigir.

Se tem coisa que eu gosto é levantar umas quatro ou cinco horas e encontrar o sol nascendo na estrada. Até consigo fazer isso sozinha, mas prefiro sempre uma companhia pra me distrair. Senão o sono pega mesmo. Acompanhada por alguém que não durma (porque alguém que dorme sempre tenho: Fernando), com um sonzinho rolando, curto demais. 

Gosto de ver a paisagem se modificando e as pessoas que ficam pela estrada. Sempre me causa curiosidade os transeuntes nas estradas. Como chegaram, onde vivem, pra onde vão? Gosto de parar para ver as barraquinhas que vendem flores ou lugares temáticos, típicos da região. Tenho vontade muitas vezes de sair por aí, pegar a estrada e apenas ir sem rumo. 

Ainda quero ver muita estrada. Muita. Não posso perder o que demorei tanto para ter, mesmo que não soubesse que queria.

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