domingo, 18 de agosto de 2019

O amanhã

Eu ainda quero ver o amanhã. Quero acordar e viver um novo dia. Ver velhas e novas pessoas. Repetir ações e criar novas. Quero viver, viver e viver.

Sexta-feira era o dia em que havia combinado com meu endocrino de rever a quantidade de insulina em decorrência da nova vida que estou engajada com dieta com poucos carboidratos e atividade física diária. De acordo com o que falamos, eu deveria diminuir duas unidades de Lantus se tivesse com hipoglicemias noturnas. 

Naquela madrugada, pelo registro do aparelho, eu fiz hipoglicemia boa parte da  madrugada. Diminuí conforme orientação, tomei o café de costume, fui pra escola. Ao chegar, medi a glicose: 101. Entrei no nono ano e comecei a orientar sobre as provas. Não consegui terminar, pois me senti mal. Medi: 55. Em vinte minutos minha glicose nunca teve essa queda. Pedi pra Dani pegar meu mel na sala dos professores e comecei a comer.

Eu tô tão determinada a melhorar o controle que nunca mais usei chocolate nas hipos, só mel. Duas, três colheres e nada de subir. 55, 50, 48, 45, 42, LO. 

Não sabia o que fazer. Pedi silêncio aos alunos e eles pararam. Subiu pra 60, o que ainda é baixo, mas foi suficiente para seguir a aula/prova.

No recreio, a glicemia estava 70. Comi a fruta do lanche e segui pra sala. Não subiu mais, mas ainda assim comi mais mel. Nada...

Bateu e me dirigi a outra escola. Parei antes da esquina, tranquei o trânsito. Havia um homem me xingando. Comecei a chorar, porque percebi (só neste momento) que tinha algo muito ruim acontecendo.

Cheguei na escola, falei com o vice diretor que não estava bem, que ele precisava ficar de sobreaviso. Quando me virei, faltou perna. Quase caí. Sentei e ele veio me ajudar. Pedi açúcar. Ele me trouxe. A Cláudia chegou com um copo de refri. Açúcar, refri, nada adiantava. Subiu pra 70 e fui almoçar com meu filho.
Coloquei um pouco mais de comida no prato pra ver se a glicemia segurava. Não adiantou. Terminei o almoço e ela voltou a cair. Chamei a Gabi e pedi que ela levasse o Fer.

Morri de medo de morrer.

Bruna, me pega aqui, amiga. Eu não to bem. Preciso ir ao hospital. Gabes, se eu não voltar, pega o Fer na Gabi mais tarde. Mãe, já te dou notícias.

Andrea, eu não posso morrer. Quem vai cuidar do meu filho, Andrea?! Eu não quero morrer, mas eu não sinto mais meu corpo, eu to fraca. Eu tenho tanta coisa pra fazer. Não é justo logo agora que tô me cuidando tanto. Não me deixa morrer, Andrea.

E foi assim até a Bruna chegar, a glicose subir e eu chegar na minha médica. Até ela me informar a sobrecarga de insulina que meu corpo estava e eu entender o que se passava eu estava com medo de morrer. Em decorrência de fazer tudo certinho, eu teria que diminuir mais que duas unidades; no fim ela e o endocrino baixaram 5u. Basicamente tive uma overdose de insulina.

Eu ainda quero ver o amanhã. Quero viver mais sessenta anos. Quero estar bem e ver meu filho crescer e se desenvolver. Quero amar e ser amada. Quero estar entre os meus e estar por eles também. Quero formar meus alunos e vê-los pelo mundo.

Que nada me impeça, que nada me limite. Quero tudo isso e mais, muito mais.


Obrigada a todos que me ajudaram na sexta e ao longo desses dias posteriores. Obrigada, sempre muito obrigada.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

O mundo enquanto dirijo meu carro


A maioria dos meus amigos quando fez dezoito anos tirou carteira de motorista. Eu não. Eu fazia muita festa e tinha medo de matar alguém ou morrer ao dirigir alcoolizada, porque certamente eu acabaria fazendo isso. O meu padrasto queria que eu tirasse, dizia que iria comigo assinar como avalista pra eu comprar meu carro. Eu fugia muito, não queria mesmo.

Com o nascimento do Fernando e o retorno ao Rio Grande do Sul, eu sabia que morando na região metropolitana de Porto Alegre eu precisaria aprender a dirigir. E eu tinha exatamente dois meses para ficar em Torres, aprender a dirigir na autoescola e fazer as provas. As pessoas me avisavam que tudo bem se eu não conseguisse na primeira vez, era comum, que todo mundo roda. Mas eu não tinha tempo, eu precisava aprender e passar na prova naqueles dois meses. E assim eu consegui a minha CNH aos 28 anos.

No dia que passei na prova, fui colocar o carro um pouco mais pra frente na garagem e arranquei o retrovisor. Colei com poxipol, o que obviamente não durou muito tempo. Depois, quando eu menos esperava, aquela "orelha" surgia caída. 

Na primeira vez que fui estacionar em Viamão, na primeira casa em que morei, eu cheguei bem perto do muro e girei o volante. A lateral do carro raspou de fora a fora no muro. A gente aprende algumas coisas na autoescola, mas a realidade é muito diferente.

Eu andava toda errada por Viamão a 30 km por hora. A galera da Santa Isabel buzinava muito nos meus ouvidos. Até que um dia a minha avó Therezinha foi hospitalizada na Santa Casa, bem no centro de Porto Alegre. Ela não estava bem, era visível. No íntimo eu sabia que estava ao fim da vida. E eu queria ficar com ela o maior tempo que eu pudesse. Só que eu estava fazendo estágio e o Fernando já estava na escola. E o horário da UTI que eu conseguia estar era das 13h30 às 14h, o pior horário e local para uma recém habilitada circular. Mas era encarar o trânsito porto-alegrense ou não ver a vó. E isso eu não faria e não fiz. Eu consegui encaixar na minha rotina ir um dia sim e outro não. E essa foi a última coisa que a minha avó me ensinou: a dirigir em Porto Alegre. Eu já voltei com o carro toda a lomba da Tomaz Flores, porque não conseguia engatar a primeira na subida - mais de três vezes. Na época eu não tinha GPS no celular, então eu imprimia os mapas pelo Google e ia pelo papel mesmo. Assim, eu só sabia este único caminho. Fiz isso por quatro meses. Ao final da jornada da vó, eu já não estava mais insegura e quando cheguei em Santa Maria para a despedida, o vô até me confiou dirigir o carro dele. 

Depois tive a fase de aprender a dirigir na estrada, que não foi fácil também. Ultrapassar caminhão era um desafio gigante. A viagem mais longa foi de umas cinco horas dirigindo sozinha, com o Fernando e o Soldado, nosso cachorro, no banco de trás. Fiquei tão nervosa que travou meu ciático e fiquei sem andar direito por uns dois meses. 

E depois veio a luta pela compra do meu próprio carro, pelas minhas próprias pernas, sem receber dinheiro de ninguém, sem pedir emprestado pra ninguém, só com minha incansável força de vontade e apoio emocional dos amigos. Foram três meses usando o carro da mãe até conseguir que um banco finalmente acreditasse que eu pagaria. Agora escrevendo aqui eu até rio, mas não foi fácil. 

Minha vida hoje não funcionaria sem carro. Tenho a agenda organizada com tanta coisa pra fazer e não tenho mais possibilidade de ficar esperando por transporte público. E fora a necessidade, eu adoro dirigir.

Se tem coisa que eu gosto é levantar umas quatro ou cinco horas e encontrar o sol nascendo na estrada. Até consigo fazer isso sozinha, mas prefiro sempre uma companhia pra me distrair. Senão o sono pega mesmo. Acompanhada por alguém que não durma (porque alguém que dorme sempre tenho: Fernando), com um sonzinho rolando, curto demais. 

Gosto de ver a paisagem se modificando e as pessoas que ficam pela estrada. Sempre me causa curiosidade os transeuntes nas estradas. Como chegaram, onde vivem, pra onde vão? Gosto de parar para ver as barraquinhas que vendem flores ou lugares temáticos, típicos da região. Tenho vontade muitas vezes de sair por aí, pegar a estrada e apenas ir sem rumo. 

Ainda quero ver muita estrada. Muita. Não posso perder o que demorei tanto para ter, mesmo que não soubesse que queria.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Novas rotinas e diabetes


Hoje foi um dia especial, marcado por três meses desde que eu soube da retinopatia. Fui ao Endocrinologista com resultado de exames da última semana e cheguei um pouco frustrada comigo mesma. 

A minha rotina não favorece muitas coisas e fazer um caderno de anotações - com todas as medições de glicose, doses de dois tipos de insulina, quantidade de carboidratos por refeição, horário da atividade física, entre outros - literalmente não cabe. Eu tentei, depois acumulei um dia, dois; quando vi foram semanas. Dessa vez resolvi não procurar desculpas, como anteriormente. Passei a limpo os destros desta semana apenas e cheguei com uma folhinha na sala. Falei a verdade: sou incapaz de manter este caderno. Não bastasse isso, minha glicada (exame que mostra o desempenho trimestral da glicose  no sangue) ficou acima do que eu havia me colocado como meta. 

Em primeiro lugar, vamos conversar, Mariáh. Deixa eu te entender.

E então aquele homem me escutou. Falei da rotina, dos percalços, da correria, mas também dos cuidados, da mudança estratégica de vida que tive, de como a atividade física me faz bem, de como fico feliz em me sentir empoderada pela diabetes novamente.

Falamos sobre a nova insulina que comecei a usar há cinco dias e ele fez um pequeno manual de possibilidades que podem vir a acontecer comigo e como deverei agir em cada uma delas. Ele falou dos aplicativos existentes hoje que podem me ajudar na substituição do caderno e contagem de carboidratos. Tal qual meu primeiro médico, me deu materiais educativos como se fosse meu primeiro dia de DM1 e me pediu que relesse como se fosse mesmo a primeira vez. Pediu-me calma e que seguisse o que combinamos. Um dia de cada vez. 

Diferente de outras vezes, agora com alguns nomes e sabendo o que buscar, encontrei os apps que são bem próximos das minhas necessidades, um de contagem de carboidratos e outro que registra todo o meu dia - refeições, doses, exercícios, destros - e depois posso imprimir as planilhas, gráficos, etc.

Eu não sei mais o que é não ser diabética. Nem lembro como é sentir sede sem ser porque a glicose está alta. A primeira coisa que faço depois que acordo é medir a glicose e também é essa uma das últimas antes de deitar. É como se eu precisasse saber o tempo todo se eu estou respirando. 

Ainda estou aqui lutando e seguirei sempre. Jamais vou me neglicenciar novamente, apesar de ser extremamente cansativo. O descaso comigo mesma tem um preço que eu não cogito pagar.

Nem sempre é um texto motivacional. Às vezes, como hoje, é só um desabafo e necessidade de um abraço.



terça-feira, 18 de junho de 2019

Fotos que me mandam do Fernando


Já faz algum tempo que eu aceitei o fato de que eu não sou dona do meu filho. Por muito tempo eu pensei que eu fosse. E ninguém me tirava da cabeça que ele era mais meu do que de qualquer outra pessoa. Ainda bem que essa fase acabou e hoje é só uma lembrança engraçadinha.

Há tempos crio o Fernando para que ele seja independente. Sim, nem oito anos ainda, mas independente. Não quer dizer que ele está pronto para morar sozinho, mas que tudo o que eu penso que uma criança de oito anos pode ou tem responsabilidade para fazer, eu deixo que ele faça e aproveite. 

E isso foi em cada fase de sua vida. Aprendi que criança tem tempo e horas úteis para qualquer situação. Tento respeitar isso ao máximo. Dividimos nossa vida em coisas só dele, coisas só minhas e coisas que conseguimos fazer juntos. E como é gostoso quando conseguimos respeitar o espaço do outro!

Se ele deseja algo, conversamos, vemos nós dois se isso é possível para nossas condições e vidas, analisamos e decidimos. A mesma coisa comigo. Sim, nós dois decidimos até mesmo a minha vida. Até o fato de eu começar a caminhar diariamente nós dois decidimos juntos. Falei da importância e necessidade, expliquei o tempo e o que isso afetaria nossa rotina. Tranquilo! Quando ele começou a usar óculos também estabelecemos juntos tempo para as atividades dele, reduzindo o uso do celular para não prejudicar a visão. Nem sempre as combinações são fáceis. Muitas vezes preciso repeti-las constantemente. Mas, no fim, esse é o nosso jeito de viver e tem sido muito bom.

Ano passado eu fui levar a Gabriela, minha amiga que convive com ele desde que ele mal falava, em casa. No caminho, ela riu e o convidou para dormir com ela. Ele disse que sim. Rimos todos. Parei o carro e ele desceu. Deixei. No outro dia o peguei. Essa foi a primeira vez que ele simplesmente escolheu dormir em outro lugar, sem que houvesse uma real necessidade de ele dormir lá. 

E assim ele começou, aos poucos, a escolher essas saídas. Às vezes me pede pra ficar na Gaby e na Raquel, na Gabriela Lobato (é muita Gabriela!), na vó e nas tias, no Santiago, na Bruna, na Fabíola... E assim ele vai. São momentos espaçados, mas eu gosto. Lembro que há três anos ele teve a primeira noite do pijama no colégio e não conseguiu ficar. Ligaram pouco depois da meia-noite eu voltei para pegá-lo. Ano passado ele mal se despediu de mim quando eu fui levá-lo de noite no colégio. Ficou super bem e até dormiu cedo.

Vejo tudo isso como aprendizado: ele é uma criança esperta, com vontades e eu confio muito nessa rede de amigos que ele gosta de frequentar. Acho importante tudo isso. Acho que é isso que significa criar um filho, né? A gente educa para que consiga construir sua própria história sendo o protagonista dela. 

E o que mais amo nessas saídas dele não são as quatorze horas de sono direto que me dou ao direito, mas as fotos, vídeos e áudios que recebo. Onde quer que ele esteja, sempre me envia sinal de fumaça pra dizer que está bem. 

Ainda quero ver muito essas fotos carinhosas que o Fernando e seus anfitriões sempre me mandam.

"Someone to face the day with, make it through all the mess with
Someone I always laugh with, even at my worst
I'm best with you"


sábado, 8 de junho de 2019

Eu mesma no espelho


Desde o dia 15 de maio eu mudei bruscamente minha vida, começando pela própria forma de pensar sobre ela e tudo que eu quero para a minha. 

Estou ainda maratonando médicos, conhecendo profissionais para escolher os que irão me acompanhar, que entendam as minhas necessidades e as acolham e, a partir disso, façamos planos e metas para que eu fique melhor. 

Mudei minha alimentação. Cortei tudo o que sabidamente não é bom para o organismo de qualquer ser humano, mas a gente mesmo assim vai lá, come e insiste, para saciar as lombrigas ou compensar algo - não sei ainda por que me estraguei tanto ao longo dos anos. Nesta nova dieta alimentar, só não cortei todos os carboidratos, porque ainda estou com muitas hipoglicemias (3 a 4 por dia), por conta da insulina que ainda estou usando, mas deixarei de usar em breve. Porém, tenho me alimentado muito melhor. E não tô comendo nada ruim ou sem sabor, todas as refeições são deliciosas (e coloridas). Tenho que me controlar é pra não exagerar na quantidade. E o endocrinologista foi bem claro: sem álcool nos próximos três meses, pelo menos. 

Mudei hábitos. Há seis dias caminho no mínimo trinta minutos no Centro Olímpico em Canoas. Até na quarta que achei que não fosse, porque cheguei às 22h de uma reunião, fui. Tá sendo bem bom. Mais do que eu imaginava. São trinta minutos pra pensar, ouvir uma música e, de quebra, baixar a glicose e ajudar a insulina a circular melhor.

Estou usando o tempo inteiro uma pequena pochete daquelas de guardar documentos em viagem. Ali deixo as insulinas/agulhas, o medidor de glicose e algo que rapidamente aumente minha glicose em caso de hipoglicemia. Às vezes dá pra colocar embaixo da roupa e nem aparece, principalmente que estamos quase no inverno e os casacos cobrem. Noutras eu deixo por cima mesmo, não me importo muito. Escondi tanto tempo o diabetes de mim e dos outros que agora que estou nessa fase de empoderamento diabético não quero esconder mais nada. Quero que chegue um dia em que seja estranho não verem a pochete e me questionarem. Porque aí eu sei que terei vários olhos em cima de mim para não me deixar desistir.

E quem aguenta tudo isso ao meu lado? Quem me ama, quem quer me ver bem, quem quer me ver viva e com qualidade de vida por muito tempo. Serei eternamente grata por todos que seguem na minha vida me dando apoio, suporte e força para jamais desistir.

Ainda quero ver eu mesma no espelho muitas vezes e seguir enxergando quem me vê. "Eu, filha do carbono e do amoníaco..."

terça-feira, 4 de junho de 2019

Céu sem nuvens


- É, saiu retinopatia.

Foram essas as palavras da oftalmologista há vinte e um dias. Saí tão desorientada que não perguntei muita coisa e tive que marcar um retorno só para perguntar tudo que eu queria saber.

Abri o navegador e o que aparecia no Google Images na busca "retinopatia diabética" era sempre um par de fotos: uma normal e outra desfocada e com nuvens. O desfocado eu enxerguei algumas vezes e foi até por isso que marquei oftalmo mais cedo este ano: achei que finalmente eu conseguiria usar óculos (tenho esse sonho desde pequena). As nuvens, mandei um o que tenho a ver e segui a vida.

Ontem deixei a glicose chegar a 300 para não ter hipoglicemia noturna e fui dormir. Hoje ainda estava em 200 e pouco e segui em jejum para o último exame que preciso fazer para pedir as novas medicações ao governo. 

Tirado o sangue, comi uma banana, tomei um café e fui pra uma palestra de formação. Éramos poucas professoras, em torno de vinte, e ficamos numa sala branca, com o projetor ligado, pois a palestrante estava utilizando esse recurso para a sua fala, que acabou se estendendo um pouco e passou do meu horário de fazer um lanche. Então quando vi estava quase com uma hipoglicemia. Levantei antes, peguei uma fruta, comi. Tivemos finalmente um intervalo, tomei mais um café, mexi no Twitter, sentei e ela voltou a falar: Aqui como vocês podem ver e olhei para a lousa. 

E lá estavam elas, as nuvens. 

As nuvens flutuavam naquele projetor como na abertura dos Simpsons. Elas são azuis meio cinzas. 

Senti uma profunda tristeza e culpa. Maldito medo de ter hipoglicemia e perder o exame. Maldita hora que dormi com a glicose alta. Maldita diabetes. Maldita eu.

- Filho, desenha pra mãe um céu sem nuvens.
- Tô cansado, mamãe, de noite.
- Por favor, é importante.
- Tá... Sem nuvens?
- Sem nuvens.

domingo, 2 de junho de 2019

Minhas plantinhas


Eu acho que não sei cuidar de plantas. Mas eu nunca desisti. Sigo regando e tentando aprender. Já tive cactos, suculentas, samambaias. Não consigo. Agora estou numa nova tentativa de pequenas plantinhas. Estou aproveitando que onde moro finalmente tem uma janela que tem sol e consegui arranjar um cantinho pra elas.

Acho que o encantamento começou com o feijão no algodão. Espero que as professoras nunca parem de fazer isso nos anos iniciais, porque eu torcia todo ano pra próxima professora passar o conteúdo "feijão no algodão" só pra eu fazer tudo de novo. É incrível como os professores fazem parte das nossas vidas, porque em nenhum momento eu quis fazer sozinha. Eu queria acompanhar o crescimento junto com a professora e colegas. Acho que sempre foi importante para mim compartilhar as coisas.

Eu comecei essas tentativas quando estava terminando o colégio. Morava com a vó e seguia exatamente o que me falaram sobre cactos: uma vez por semana, meia colher de água na terra. Secaram e morreram. A vó me disse "não sei o que houve, eu colocava água todos os dias".

Quando morei em Florianópolis, no primeiro ano de vida do Fernando, eu pegava as raízes do que comprava do mercado (salsa, cebolinha) e plantava em latinha de Nescau. Deixava na sacada e elas simplesmente cresciam! Eu usei muitas vezes na comida, porque elas cresciam muito.

Essas pequenas plantas hidropônicas que são vendidas em mercados eu já tive algumas. Mas, acho que pela posição do sol dentro das casas em que morei serem ruins ou inexistentes, elas não duraram muito tempo. O maior problema é que fico manhã e tarde fora de casa, trabalhando. Gostaria de ter tempo para fazê-las circular pela casa.

Gosto de ver postagens de plantas alheias nas redes sociais. Acho lindo. Não são só fotos. São apoteoses. É o auge da plantinha que cresceu, porque alguém se dedicou a ela.

Queria poder ter girassóis dentro de casa. Aliás, queria poder ter um espaço em casa que fosse aberto para que os girassóis conseguissem girar mesmo. E samambaias. Samambaias são as mulheres crespas com seus cabelos cacheados com vida própria escorrendo para fora dos vasos.

O pátio da casa do meu vô Adair ainda tem muitas plantas - herança que ficou da vó Therezinha e que o tempo e o zelo do vô ainda mantêm. Eu adoro sentar embaixo da parreira, ficar sentindo o sol e ver as plantinhas e flores. Lá tem uma samambaia de uns 15 anos, que eu dei pra vó. Ela também carrega a nossa história.

Quando uma plantinha seca em cima, fico colocando cascas de frutas pra adubar a terra na esperança que elas voltem. Nunca desisto.

"Segue o teu destino...
Rega as tuas plantas;
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
de árvores alheias." - Fernando Pessoa

sábado, 1 de junho de 2019

Cinema

Escutando Sambando no escuro - Björk & Elza Soares (Bertazi Mashup)

O primeiro filme que vi na vida no cinema foi Jurassic Park. Minha mãe levou meu primo, uma colega minha e eu. Foi em Cruz Alta, em 1993. Lembro de uma fila gigante na frente do cinema e as pessoas todas muito ansiosas. A minha expectativa era gigante. Ao entrar na sala, tudo me encantava: a disposição das cadeiras, as cadeiras fixas ao chão, mas reclináveis de acordo com a posição que eu sentasse. A gente se olhava, sorria e dava pequenos risinhos. Quando o filme começou foi só encantamento. Meu primo e eu, que morávamos juntos, ficamos tão estarrecidos que nos apaixonamos por dinossauros e começamos a consumir tudo o que os publicitários inventaram com o tema: desde chocolates Nestlé, que vinham com figurinhas de papel que completavam um álbum, até revistas que eram vendidas semanalmente nas bancas e traziam um esqueleto do T-Rex por semana. O dia em que terminamos de montar o T-Rex foi sensacional. Ele brilhava no escuro. 

O segundo filme que vi na vida foi em Santa Maria, no ano seguinte: O Rei Leão. Nesse dia, minha mãe e minha tia deixaram que meus primos e eu ficássemos sozinhos pelo cinema. Havia muitos bancos sobrando então ficamos circulando até encontrarmos os mais diferentes possíveis para a história daquele passeio ficar ainda melhor (e conseguimos, pois cá estou). Pegamos lugares no segundo andar. Quando o filme começou já estávamos sentados nas nossas posições de donos do cinema, que era o que nos parecia. A primeira coisa que me chamou atenção foi a trilha sonora, que tomava conta da sala. Trilha que até hoje sei cantar. Aliás, os diálogos deste filme ainda estão na minha memória, o que me motiva ainda mais a ver o remake que será lançado daqui 48 dias (talvez eu esteja um pouco ansiosa) com áudio em português - além, é claro, do fato de eu assistir aos filmes somente dublados com o Fernando.

O terceiro filme que lembro agora, por conta desta situação em que me encontro, é o Dançando no escuro, musical com a Björk, que assisti sentada no chão do cinema no ano 2000, com 14 anos. Meu professor de História do Colégio Militar falou que estavam passando filmes "alternativos" (não lembro o termo que ele usou, mas foi com esse sentido) no shopping, de graça, aos sábados de manhã. O que me motivou a ir nessa sessão foi o discurso do professor, que eu considerava muito inteligente, e as aulas, que eram diferentes das tradicionais a que eu estava acostumada. A gente debatia, não era só conteúdo x ou y, mas relações disso tudo com a sociedade. Sem nenhuma cultura de frequentar projetos assim, simplesmente apareci com duas colegas no horário da sessão sem fazermos inscrição prévia. Ou seja, não tinha mais lugares. Uma boa alma nos disse para esperarmos sentarem e que depois nos acomodássemos como pudéssemos. E foi o que fizemos, sentamos no meio do corredor, no chão. E valeu cada mudada de posição, porque a perna ficava dormente. O filme foi o mais diferente de tudo o que eu já havia visto. Pela primeira vez, percebi certas coisas do cinema, como a câmera nervosa para mostrar a maneira como a personagem Selma via o mundo. Ou então como há muita injustiça social diante das nossas barbas e algumas simplesmente não conseguimos impedir. 

Ontem assisti ao filme da vida do Elton John: Rocketman. Gosto de biografias. Amo quando os homenageados estão vivos. Tendemos a valorizar as pessoas depois de mortas e é muito legal quando conseguimos fazer antes do fim. Fui de maneira super despretensiosa e saí abalada com a entidade que é este homem. Desconhecia boa parte de sua trajetória e agora sinto uma profunda admiração por ele. Hoje de manhã, numa formação de professores da rede municipal, uma colega lembrou a frase de Einstein que diz que época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito que um átomo. Pior ainda é quando o preconceito vem da própria família. Mas fico feliz que, não tendo esse apoio em casa, ele conseguiu construir a sua própria, com seu marido e filhos.

Fotografia é a verdade. Cinema é a verdade 24 vezes por segundo. - Godard.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Mãos


Hoje dei aula de Literatura e atualidades com minha amiga Bruna. Como a turma é pequena, ficamos sentadas na maior parte do tempo. Enquanto ela falava gesticulando, fiquei observando suas mãos. As unhas estão feitas, com uma cor forte, cor de inverno, como gosto de falar. A mão da Bruna é linda. E a maneira como ela organiza a fala através das mãos é incrível.

As minhas mãos são iguais às da minha mãe e da minha avó. Gosto delas. Gostaria de ter mais tempo para fazer as unhas, porque eu adoro estar com um esmaltão vermelho. A correria do dia a dia, tempo pra lixar, tirar cutícula, passar base, esperar secar e ter tempo hábil para não dormir com unha recém feita me impede de mantê-las como eu gostaria. Colocarei como meta neste final de semana deixá-las como gosto.

Gosto de ver as mãos da Dani, porque elas são pequenininhas e possuem pequenos pontos tatuados antes da cutícula. Acho um charme. Não sei o que significam, porque acho muito íntimo o significado das tatuagens e geralmente não pergunto. 

Os dedos da Elen são finos e delicados. Ela tá sempre com uma base. Tenho certeza que aquelas mãos recebem cuidados com cremes diários. 

A Amanda deixa as unhas bem curtinhas. Acho que rói. Fiquei observando hoje como ela embaralhava as cartas de tarot antes de abrir pra mim. A Julia estava com um vermelho já se indo, mas aquele charme de mulher que não precisa estar impecável, porque se garante em qualquer situação. 

Os homens têm menos cuidados. Exceto o Mateus, que está usando umas unhas grandes e pretas lindíssimas. O Moisés tem as unhas roídas e curtas. 

Meu namorado tem mãozinhas pequenas, com unhas curtas que acho lindas. São um pouco maiores que as minhas e adoro sentir nossas mãos encaixadas. 

As mãos do Fernando são pequenos pedacinhos de céu. Os dedinhos são roliços, sempre foram. Desde bebê gosto de ficar olhando para suas mãos. Agora ele inventou de roer as unhas, mas não são como as do Moisés. Elas parecem que foram cortadas. Insisto sempre que ele pare de roer, mas quando vou cortar já estão curtas. 

Essas foram todas as mãos que observei nas últimas semanas. Não sei qual será a reação das pessoas quando souberem que as tenho observado. Quero capturar na memória tudo o que conseguir. Quero fazer o meu registro, aquele que nada conseguirá apagar.

"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes
A vida presente" (Drummond)


O porquê de um novo blog


A resposta é: quando escrevo, liberto-me. E, mais uma vez, preciso. Escrevo porque sinto e aqui eu extravaso.

Sou diabética tipo 1 há quatorze anos. Fui diagnosticada com retinopatia leve dia 15 de maio. Não estou cega. É muito cedo para dizer que eu fique. Porém, há possibilidade. O cuidado que eu não estava tendo ou a falta dele, está sendo revisto. Estou numa louca correria atrás de médicos, medicamentos e cuidado, MUITO CUIDADO, comigo mesma. Uma semana depois soube da neuropatia nas pernas também. Isso também me assusta muito. 

Não tem sido fácil. Depender de boa vontade de médicos é um horror. E não tenho tido boas experiências nesse check-up completo a que tenho me submetido por conta própria. Entretanto, as pessoas que me cercam estão sendo de uma generosidade e cuidado, que eu sempre soube que teria, mas que ao mesmo tempo tem transcendido, porque as pessoas têm sido incríveis.

A retinopatia tem me acompanhado mais, porque, dependendo do nível da minha glicose, eu sinto minha visão embaçada. Aplico insulina e logo se resolve. Mas esse leve desespero tem me apavorado muitas vezes. Por isso decidi escrever. Quero me libertar da angústia. 

A princípio, quero fazer um blog destinado a coisas que ainda quero ver, como o próprio nome já diz. Porém, se sentir necessidade de atualizar sobre minha saúde, colocarei títulos acompanhados de "[OFF]" para sinalizar.

Tudo o que mais quero ver ainda é meu filho Fernando crescer e se tornar o que ele quiser ser na vida. Isso que me importa. O "resto" são pequenas coisas do dia a dia que tô aprendendo a ver melhor, a valorizar mais. 

O que denominei agora de "restos" são, na verdade, pedaços de um mundo que me agarro e não quero largar.






O amanhã

Ao som de Samba de Bênção - Maria Bethânia Eu ainda quero ver o amanhã. Quero acordar e viver um novo dia. Ver velhas e novas pess...